… fotografia, morte da pintura?

Ao estudar a história da fotografia (Newhall, Rosenblum…) aprendemos que houveram grandes debates sobre o lugar da mesma em meio às artes, em seus anos iniciais. E que teria havido em parte aceitação e em parte repulsa ao processo fotográfico, em polos contrários que, portanto, não se tocariam. Como se depois esse debate tivesse desaparecido, esvaziado: a quem interessaria declarar que com a fotografia a pintura estaria morta?

Apesar do ecletismo reconhecido, cenário assim dividido, a eliminar as incertezas do exercício, da experiência e de possíveis trocas, num desses polos estaria o Delacroix e no outro o Delaroche.

Os estudos franceses sobre esses anos iniciais é hoje um tanto mais complexo, mas temos sido alertados que também na França, somente aos poucos as pesquisas vão quebrando algumas barreiras, como a do nacionalismo. Os quatro continentes da fotografia elencados pelo Frizot é muito mais articulado, não somente por conta das seletivas práticas comerciais, e pode nos dar brechas para enxergar muitas outras coisas que não pareciam nem testar nosso campo de visão.

Alunos de Delaroche, “o opositor”, por exemplo, são grandes nomes da fotografia na década de 1850, como Gustave Le Gray, Henri Le Secq e Charles Nègre, integrantes da Missão heliográfica (1851) e fundadores da Société française de la photographie (1854), que sucede a anterior. Isso não pode ser desconsiderado.

Mas isso é, ainda, somente uma das camadas.

Muitos estudos expõem e discutem a importância desse grupo de fotógrafos (Le Gray, Le Secq, Nègre e Baldus), para o que vai tornar-se a fotografia nos anos seguintes.

Eles são “os primitivos” que pela primeira vez ousaram expor suas fotos como arte (o Le Gray, nem citado pelo Baudelaire, tampouco por Benjamin*) e que, engajados num empreendimento científico a fotografar o patrimônio francês, pareciam não satisfazer plenamente à demanda exigida, dos contratadores da Missão heliográfica por conta de algumas fotografias por demais “ensaístas”.

Mas eram também documentaristas, pois as coisas não são assim necessária ou simplesmente contrárias, separadas: ou uma ou outra. Se Delaroche não fotografou, seus alunos o fizeram e o próprio Delacroix, em sua “pesquisa do inacabado” (estou simplificando), teria também, com a feliz e interessante contribuição do Eugène Durieu (que também tem seus vínculos com a Missão heliográfica e a SFP, levando Delacroix), fotografado.

maos de Delacroix

stigmata: De la croix

Ao procurar entender práticas fotográficas posteriores, percebi a importância de retornar a esses começos, perseguindo a ideia do regime de visualidade, de uma “economia visual” que quebra fronteiras (há mais quando o Delacroix ilustra Shakespeare), que se coloca atrelada a valores e conceitos do que poderia vir a ser arte ou não, pois pressinto que sempre esteve ali, presente, essa implicação pluridisciplinar. E, no caso bem especifico da fotografia, para poder compreender suas interfaces, com não somente as “artes de feira” (e a litografia não estaria ai, o São João Batista* da fotografia, como a chamava Benjamin ), mas também com a indústria, o mercado, a política a educação e a fruição de bens de valor monumental.

Delacroix por Riesener 1842

Delacroix fotografado por Léon Riesener, 1842. La valeur ajoutée de l’imperfection. Delacroix et la photographie, de Sabine Slanina in Leribault, 2008, p. 16.

Observem, por exemplo, esse artigo do Stephen Bann, de 2001, que inclui Lemaître (litógrafo) no panteão triunviral da fotografia, junto com Niépce e Daguerre. Bann é conhecido pelo livro As Invenções da história: http://etudesphotographiques.revues.org/241

Cf. também:

– Paul-Louis Roubert. L’image sans qualité. Les beaux-arts et la critique à l’épreuve de la photographie, 1839-1959, publicado em 2006. Resenha na Études photographiques 20/juin 2007:

http://etudesphotographiques.revues.org/1903

– Christophe Leribault (dir.), Delacroix et la photographie. Paris: Musée du Louvre/Lepassage, 2008.

 

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