Fotografar o silêncio_o fotógrafo

alpes

O fotógrafo*

– Manuel de Barros –

Difícil fotografar o silêncio. Entretanto tentei. Eu conto.

Madrugada a minha aldeia estava morta. Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa. Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina. O silêncio era um carregador? Estava carregando o bêbado. Fotografei esse carregador.

Tive outras visões naquela madrugada. Preparei minha máquina de novo. Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado. Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra. Fotografei a existência dela.

Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o perdão.

Olhei uma paisagem velha desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.

Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça. Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakovsky – seu criador. Fotografei a Nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta do mundo faria uma roupa Mais justa para cobrir a sua noiva.

A foto saiu legal.

* Transformei os versos em parágrafos. O poema de Manoel de Barros (1916), poeta pantaneiro, está no livro Ensaios Fotográficos, publicado pela Record, do Rio de Janeiro, em 2007.