A posteridade do sol

Último post dessa jornada.

Foram as fotografias contidas no livro La posterité du soleil que me trouxeram de volta à França, para o atual estágio de pesquisa que termina.laposterité

depois do ventoEntão, ao finalizar as atividades do blog, queria relembrar Henriette Grindat (1923-1986), fotógrafa suíça que aprendi a admirar ao encontrar, em 2010, numa livraria em Avignon, La posterité du soleil (1965), seu livro de fotografia em co-autoria com Albert Camus e René Char. Grindat fez as fotos e entregou-as a Camus, que escreveu a partir delas.

As fotos de Grindat foram o pré-texto de Camus. São fotografias da Vaucluse, no sul da França, na Provence, mas cujo lugar é somente um pretexto: elas poderiam ser de qualquer parte, diz Grindat.

http://www.rts.ch/archives/tv/information/madame-tv/3468422-henriette-grindat.html

Para mim, elas traduzem minha experiência atual, que é viva e que pode se explicar pelo encontro de arquivos de dois mundos. E assim é que sigo buscando aproximações: ao estar aqui com um olhar de lá e ao voltar pra lá, depois de ter estado aqui.

Sabia que valeria à pena ter vindo, que me abriria um tanto mais as portas e as asas da imaginação (me sinto como a mulher com o pássaro na cabeça, de Miró, post inicial deste blog).

O séjour, um tanto mais prolongado de agora acabou, mas o sentimento partilhado, as impressões, continuam em minhas pesquisas com fotografia: cada história parece abrir portas para outra, como nos contos populares: “entrou por uma perna de pinto, saiu por uma perna de pato…”.

Um sentimento estrangeiro que imagino estar na fotografia e que “dá a liga” e que toma por base o que é dado: evocativo, lírico, trágico, vivo, presente e fantasmagórico, que passa, que permanece e às vezes eclode, como sintoma. A fotografia, nesse sentido, não é somente linguagem. Há algo mais que ela diz em sua síntese, retomando ainda Deleuze.

Volto para o outro sol, abaixo da linha do equador. Somente muito trabalho. E o continuo de outra forma, de outro lugar, outra tomada.

Homenagem a Henriette Grindat: http://www.erlingmandelmann.ch/portraits_all/viewer.php?sujet=Grindat_Henriette

Diagramação

Foto de foto é citação? Mas é também algo mais…

Não é somente informação que vem através das imagens – e olha que a informação já é bastante. O que vem são relações, escolhas, lugares… de dentro e de fora.

fadigacosmica

universo de imagens

Como em Grosse fatigue, de Camile Henrot (2013), ao lado. Trabalho exibido no Palais de Tokyo.

 

(para gritar, que deve ser sempre possível, mesmo que em silêncio – e isso me lembra Vélasquez)

 

E então, linkando com o antigo “Cinema Novo”- mitos apontados e trazidos de volta porque sempre lá estiveram:

https://www.youtube.com/watch?v=syDT-8LiEks

Para ir concluindo, por enquanto:

https://www.youtube.com/watch?v=HboSWBD0nJo

… estrangeira sentimento estrangeiro

Fiquei comparando esses dias dois filmes do cinema italiano: O Estrangeiro, de Luchino Visconti (FRA/ITA 1967), adaptação da obra de Albert Camus, com Marcello Mastroianni e Giordano Bruno de Giuliano Montaldo e Carlo Ponti (ITA/FRA, 1973), com Gian Maria Volonté.

E acrescento Stromboli, de Roberto Rossellini (1950), com Ingrid Bergman. Terra do deus Éolo que dá bons ventos de presente à Odisseu. Lembrando, ainda, o outro lado do mesmo mito (mas que está ali também), Medea de Pier Paolo Pasolini (1969), único filme com Maria Callas.

Somente para citar, porque é importante fazê-lo: mais real, mais ilusão, como diria Gombrich.

Todos esses filmes são encontrados no youtube.

Episódios antigos

detalhe de vitória régia

Detalhe de fotografia de A. Berzin (c. 1947): vitória-régia na Praça de Casa Forte, Recife

Sobre a vitória-régia: a referência a ter encontrado entre 1997-99, num arquivo de Recife, uma fotografia da planta que destoava do conjunto geral das 13.456 fotografias que identificava. Gosto de repetir essa soma! Estas 13 mil e tantas fotos diziam respeito a eventos, obras públicas, personalidades, reprodução de documentos considerados importantes para os guardadores. A partir daquela única foto de vitória-régia, comecei a pensar que havia uma “fotografia criativa” nos idos da década de 1940-50 em Pernambuco, o que desencadeou meu trabalho desde então.

detalhe do mapa de Manoel Bandeira_1955

Detalhe de mapa de Manoel Bandeira, 1955: coqueiros e mocambos nos arrecifes e o rastro do avião

Já sobre os coqueiros, uma outra história que mostra que essa outra planta não é nativa do Brasil, mas da Ásia. Ela foi ali introduzida na paisagem do Brasil em 1553 de uma forma tão eficiente, incorporada às praias brasileiras, que no século XIX quando a Primeira Missa é retratada no quadro de Victor Meirelles – que remete à 1500 -, o coqueiro aparece e depois ainda, quando o Humberto Mauro, no Estado Novo, filma o “mesmo episódio”, o Descobrimento do Brasil (com a música do maestro Villa-Lobos), lá está o coqueiro. Alguns de meus antigos alunos e muitos professores sabem bem contar essa segunda história, tendo finalmente a garantia de que as imagens são fabricadas socialmente.

Referências: João de Barros, Marcia Moisés Ribeiro e Eduardo França Paiva.

Para ornar…

Por conta de algumas histórias, para ornar e para fazer um exercício de cultura visual, é que ando vendo papagaios. Tudo começou com uma conversa sobre fotografias antigas de vitórias-régias e de coqueiros… E dois episódios também antigos, mas fundadores*.

recorte_papagaio

O papagaio, detalhe de fotografia. Na vitrine do Palais Royal, caminho…

Foi por conta desses episódios, em tempos distintos, que acabei tomando gosto em observar, de forma lúdica e despreocupada, se, como e desde quando, aparecem papagaios representados nas pinturas dos museus, espaços que ando frequentando com gosto. Não é, todavia, uma observação sistemática, um propósito de pesquisa, é somente uma olhadela, um exercício.

Boa parte das vezes em que entro num museu ou galeria me esqueço disso, até, vez por outra, me deparar com um papagaio, um bicho estrangeiro na Europa. E, mesmo sabendo que existem coisas impossíveis de saber com precisão, principalmente quando se trata de imagens, pode vir a ser uma boa pergunta: como é que o papagaio aparece na pintura europeia, e quais valores lhe são agregados pelos artistas, em seus contextos específicos?

Posso adiantar neste sentido, como hipótese, que o papagaio é um ser ornamental, que atende aos padrões renascentistas vigentes quando aparece, para os navegadores e suas casas de além-mar. Ele entra no imaginário visual ocidental com os descobrimentos e mais especificamente com o descobrimento do Brasil. Ele seria uma das partes que representa a riqueza, em meio à barbárie dos primeiros séculos, que caracterizariam os habitantes abaixo da linha do equador. A parte que foi levada para o enriquecimento das nações.

Confirmado: http://parrotmuseum.wordpress.com/tag/renaissance/page/2/

(Mas já havia uma referência em Aristóteles como “the indian bird”?)

Todo mundo sabe que o papagaio é ave brasileira, natural da Amazônia, apesar de que por todo o Brasil se proliferam espécies as mais variadas, cujas diferenças, muitas vezes são sutis, fundamentalmente de acordo com o sexo e regionais. Há uma teoria que atrela o aparecimento do papagaio, como o temos hoje, à elevação das Cordilheiras dos Andes.

(Vide uma pesquisa da Fapesp: http://revistapesquisa.fapesp.br/2007/10/01/no-topo-da-montanha/ )

Bicho inteligente que não somente fala, mas tem um bom ouvido (o que você falar perto dele, ele pode repetir). O que diferencia o papagaio da arara não é a cor, mas o formato da cauda e o posicionamento dos dedinhos. Na arara a cauda termina em “v”, para as extremidades, e no papagaio é afinada. Já o papagaio tem um terceiro dedo para trás, o que pode ser também variável.

(para conferir, Tudo sobre papagaio: http://www.tudosobrepapagaios.com/ )

Portanto, existem papagaios vermelhos, as fêmeas principalmente. Como aquelas que aparecem na cartografia de Cantino, de 1502: bem sobre o Brasil, três papagaios, a ilustrar o Novo Mundo recém-descoberto.

mapa50b

Parte do Planisfério de Cantino, 1502

Na Iconologia da América, de Cesare Ripa (1593, 1618, 1709…), a figura principal trás um papagaio a seus pés, mas não somente. Ele seria a parte mais suave da representação, já que a figura feminina era uma devoradora de homens: praticante do canibalismo. Em edições seguintes (?), o papagaio daria lugar, nos pés da “americana”, a uma serpente ou um jacaré ou um tatu. Já na enorme tupinambá sentada na rede, que se admira ao avistar Américo Vespúcio, que lhe devolve o olhar, o papagaio não aparece, mas o tatu, o macaco e outros bichos de quatro patas, sim.

 

ima-f4  Documents9

– Na alegoria do Ripa, à esquerda, perto do pé, também à esquerda, da canibal, um papagaio. No encontro com Vespúcio, o estranhamento dos mundos, não. Ambas as imagens são amplamente divulgadas em sites variados na internet, como em: http://www.jornada.unam.mx/2004/06/17/ima-alego.html e http://oridesmjr.blogspot.fr/2012/08/os-grandes-descobrimentos-geograficos.html

Ao lançar a hipótese do ornamento, comecei a me perguntar se não teriam sido os holandeses a assim o introduzirem de uma forma mais positiva, por suposto, edênica, mesmo no século XVI e no XVII? ou teriam sido os italianos? Nos quadros do século XVIII (tableux), destinados a alegrar os ambientes das nobrezas que enriqueciam com o colonialismo, ambos o fizeram. Os papagaios estão, por exemplo, nas barras, nos contornos, de enormes tapeçarias que se encontram nos  Pallazios de arte*, em Florença.

Se não foram os holandeses os pioneiros em introduzir o papagaio, ave exótica e de belas penugens coloridas, certamente que eles deixaram incríveis registros do falante bichinho de penas, de uma forma menos ornamental, talvez, integrados às suas cenas cotidianas e alegóricas. Nas clareiras, no meio da vegetação, a acompanharem donzelas, pintadas pelos artistas da família Brueghel ou, mais tarde, na França, na época de Gustave Courbet (1819-1877), acompanhando as exóticas mulheres, nuas, das terras dos coqueiros.

Um quadro que está na National Gallery, em Londres, de um holandês chamado Jacob Jordaens, Portrait de Govaert van Surpele and his wife, 1636-1638, é bastante impressionante. É um quadro grande, ocupando quase toda a parede. Nele, uma mulher gorda, tão gorda que reluz de gordura e beleza, sim, e seu marido, ao lado. E, entre eles, um papagaio, na janela empoleirado, e um cachorro, embaixo da cena. Diz a legenda haver ali, na consonância entre papagaio e cachorro, e, por suposto, entre aquele homem e aquela mulher, a representação da fidelidade, atributo de ambos os bichinhos.

http://www.nationalgallery.org.uk/cid-classification/classification/picture/jacob-jordaens,-portrait-of-govaert-van-surpele-(-)-and-his-wife/281794/*/x/90/y/-92/z/2

E então, como aparecem os papagaios? Associado a personagens que não teriam passado pelo “processo civilizatório”. Em alegorias. Nas cenas de paraíso, na marcação das estações onde ele é primavera e verão (como o corvo é outono e inverno). Acompanhando belas e vaporosas jovens. Aprisionado em salões cortesãos, a ornamentar pelas beiradas e referenciar algo exótico e colorido. Mas também em cenas caseiras, domésticas e em experimentos científicos. Nestes dois últimos casos entram nas fotografias.

Nas fotografias do Musée d’Orsay, confere, por exemplo, o papagaio nas fotografias de movimento do Muybridge, em 1887 (uma arara); em cenas domésticas, de Amélie Galup, 1897; e no atelier de Picasso, nas fotografias de Denise Colomb, em 1952, enervado entre objetos e objetos: http://www.photo-arago.fr/Archive/27MQ2JBKBZ0U/8/Picasso,-1952-2C6NU0THZ94C.html

Acorrentado a gradis, entre as sombras, sabemos, o papagaio fica intratável. Não é fácil, nisso, educa-lo, mas é possível: é um bichinho inteligente e temperamental. A possibilidade dele fazer algazarra tem a ver com a forma como é capturado. Se sofreu agressões ele vai reagir, bicando e emitindo aquele barulho repetitivo e insuportável que não somente imita qualquer zoada ao redor, mas que também pode ser inconveniente, como um “papagaio de pirata”.

papag_hubertrubert

Hubert Robert (1733-1808)_Musée Cognacq-Jay

Mesmo em cenas bucólicas e melancólicas, na tomada – para os olhos -, o papagaio aparece como um cantinho de cor (e luz), algo que teria ficado de alegria. Visualmente, pelo menos, mesmo numa cena que poderia ser mais densa, ele contribuiria para alegrar o ambiente ou traria um final feliz (penso agora no papagaio morto de Delacroix e não sei mesmo se essa suposição vale (?); penso também na importância do papagaio de Felicidade, em Flaubert).

Um pouco confirmando isso, o Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), estudioso da cultura popular brasileira, diz que o papagaio, como o boto da Amazônia, é um príncipe encantado que casa com a heroína que, depois de viver desventuras, o reencontra no reino de Acelóis! Talvez, por isso (?), ele seja tão representado ao lado de mulheres.

https://peregrinacultural.wordpress.com/2012/08/

Para ir concluindo sem concluir, e para comparar o papagaio com o único ser de asas que pode lhe confrontar em inteligência e oralidade, lembro de Edgar Alan Poe falando não do Retrato, mas de como elaborou seu mais incrível e talvez mais conhecido poema: o Corvo (1845). Ele queria um bicho que falasse, de penas, para repetir: “nunca mais”! Chegou a pensar no papagaio, mas deste, a melancolia fugia. Ele queria algo mais sinistro, para identificar na repetição oral do corvo um presságio de morte, algo que não corresponderia à visão de um papagaio. Somente um corvo para, mesmo sem ser necessariamente aquilo, mas em se tratando de produzir um efeito de ilusão, conduzir o personagem em seu devaneio apaixonado.

E fico pensando nas implicações da cena do papagaio morto de Delacroix. Uma paisagem composta ou compósita: natureza morta, cena de caça e paisagem à moda inglesa, pintada por um francês. Hoje em dia, talvez, meninas e meninos do Brasil devem estar mais acostumados ao tatu, ao pensarem na fauna local. Mas certamente o papagaio ainda é presente quando se quer referenciar aquela paisagem: colorido, mulheres, penas, Carnaval etc .

(Como numa propaganda bem atual da Air France (abril de 2014) – companhia aérea francesa, que vende passagens para o Brasil -, onde aparece uma moça, morena, pintada com cores de papagaio, principalmente nos olhos. Ela tem penas de papagaio e ao seu lado, um ser da espécie)

propaganda atual Brasil

O papagaio, ainda, foi por muito tempo representado aos pés da figura feminina mas também ligado à imagem do brasileiro esperto e malandro, na figura do Zé Carioca (1942), tocador de pandeiro e morador dos morros, das favelas. Imagem construída pelo Walt Disney e que deu certo:

http://fr.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Carioca

Vigeu durante a guerra fria onde imperava o “espírito da boa vizinhança” que, depois, vai se estender junto com o verdeamarelismo, em 1970. Uma das décadas mais violentas da história do Brasil, em que muitos dos antigos selvagens foram dizimados em plena Amazônia, às custas dos grandes projetos de integração nacional, como a Transamazônica, que nunca foi concluída.

(…)

Talvez seja preciso dizer que, ao ornar, o papagaio faz parte da mitologia brasileira.

Referências para este post:

André GUNTHERT. Le dinosaure, figure des pouvoirs de la science: http://culturevisuelle.org/icones/518

A ARIP

Divulgo a ARIP: Association de Recherche sur l’Image Photographique:

http://arip-photo.over-blog.com

Associação de pesquisa sobre a imagem fotográfica.

Extremamente importante para os pesquisadores da fotografia, a associação com sede em Paris, na Galerie Colbert (75002), é um convite para a discussão de toda a preocupação ligada à fotografia: uma questão metodológica, um livro, uma descoberta, uma exposição

Hoje, uma apresentação sobre a Construção do mercado de tiragens entre Paris e Nova York (1970-1990), por Isabelle Seniuta, da Paris 1.

Vida longa à ARIP! E parabéns aos seus organizadores.

… fotografia, morte da pintura?

Ao estudar a história da fotografia (Newhall, Rosenblum…) aprendemos que houveram grandes debates sobre o lugar da mesma em meio às artes, em seus anos iniciais. E que teria havido em parte aceitação e em parte repulsa ao processo fotográfico, em polos contrários que, portanto, não se tocariam. Como se depois esse debate tivesse desaparecido, esvaziado: a quem interessaria declarar que com a fotografia a pintura estaria morta?

Apesar do ecletismo reconhecido, cenário assim dividido, a eliminar as incertezas do exercício, da experiência e de possíveis trocas, num desses polos estaria o Delacroix e no outro o Delaroche.

Os estudos franceses sobre esses anos iniciais é hoje um tanto mais complexo, mas temos sido alertados que também na França, somente aos poucos as pesquisas vão quebrando algumas barreiras, como a do nacionalismo. Os quatro continentes da fotografia elencados pelo Frizot é muito mais articulado, não somente por conta das seletivas práticas comerciais, e pode nos dar brechas para enxergar muitas outras coisas que não pareciam nem testar nosso campo de visão.

Alunos de Delaroche, “o opositor”, por exemplo, são grandes nomes da fotografia na década de 1850, como Gustave Le Gray, Henri Le Secq e Charles Nègre, integrantes da Missão heliográfica (1851) e fundadores da Société française de la photographie (1854), que sucede a anterior. Isso não pode ser desconsiderado.

Mas isso é, ainda, somente uma das camadas.

Muitos estudos expõem e discutem a importância desse grupo de fotógrafos (Le Gray, Le Secq, Nègre e Baldus), para o que vai tornar-se a fotografia nos anos seguintes.

Eles são “os primitivos” que pela primeira vez ousaram expor suas fotos como arte (o Le Gray, nem citado pelo Baudelaire, tampouco por Benjamin*) e que, engajados num empreendimento científico a fotografar o patrimônio francês, pareciam não satisfazer plenamente à demanda exigida, dos contratadores da Missão heliográfica por conta de algumas fotografias por demais “ensaístas”.

Mas eram também documentaristas, pois as coisas não são assim necessária ou simplesmente contrárias, separadas: ou uma ou outra. Se Delaroche não fotografou, seus alunos o fizeram e o próprio Delacroix, em sua “pesquisa do inacabado” (estou simplificando), teria também, com a feliz e interessante contribuição do Eugène Durieu (que também tem seus vínculos com a Missão heliográfica e a SFP, levando Delacroix), fotografado.

maos de Delacroix

stigmata: De la croix

Ao procurar entender práticas fotográficas posteriores, percebi a importância de retornar a esses começos, perseguindo a ideia do regime de visualidade, de uma “economia visual” que quebra fronteiras (há mais quando o Delacroix ilustra Shakespeare), que se coloca atrelada a valores e conceitos do que poderia vir a ser arte ou não, pois pressinto que sempre esteve ali, presente, essa implicação pluridisciplinar. E, no caso bem especifico da fotografia, para poder compreender suas interfaces, com não somente as “artes de feira” (e a litografia não estaria ai, o São João Batista* da fotografia, como a chamava Benjamin ), mas também com a indústria, o mercado, a política a educação e a fruição de bens de valor monumental.

Delacroix por Riesener 1842

Delacroix fotografado por Léon Riesener, 1842. La valeur ajoutée de l’imperfection. Delacroix et la photographie, de Sabine Slanina in Leribault, 2008, p. 16.

Observem, por exemplo, esse artigo do Stephen Bann, de 2001, que inclui Lemaître (litógrafo) no panteão triunviral da fotografia, junto com Niépce e Daguerre. Bann é conhecido pelo livro As Invenções da história: http://etudesphotographiques.revues.org/241

Cf. também:

– Paul-Louis Roubert. L’image sans qualité. Les beaux-arts et la critique à l’épreuve de la photographie, 1839-1959, publicado em 2006. Resenha na Études photographiques 20/juin 2007:

http://etudesphotographiques.revues.org/1903

– Christophe Leribault (dir.), Delacroix et la photographie. Paris: Musée du Louvre/Lepassage, 2008.

 

Palavras, palavras, palavras…

Num pequeno Museu, em Saint Germain des Prés, na rua ao lado da Abadia, está havendo uma exposição de gravuras de Eugène Delacroix que ilustram, em meados do século XIX, as obras de William Shakespeare (450 anos em 2014), lido e admirado pelo artista.

museu delacroix_copia

Atelier do artista – Museu Delacroix

http://www.musee-delacroix.fr/fr/

Algumas litografias por onde as imagens foram reproduzidas, estão também expostas: elas que são a base gráfica dos trabalhos.

atelier de delacroix

Jardim interno do Musée Delacroix

Parei numa dessas gravuras, de 1843, onde Hamlet é inquerido pelo pai de Ofélia, Polônio (Ato 1, cena 5), que, suspeitando de sua loucura, lhe pergunta: “- Que lisez-vous seigneur? (- O que o senhor lê? em tradução livre). E Hamlet responde: “Des mots, mots, mots…” (- Palavras, palavras, palavras…)

Sabemos que o velhaco Polônio, pai da evanescente Ofélia, acaba morrendo pelas mãos do próprio Hamlet, que o acerta atrás da cortina, onde ele se esgueirava a espionar para o Rei Claudio, desafeto do jovem. Seu tio, que se casa com sua mãe, Gertrudes, antes mesmo do corpo de seu pai esfriar no túmulo. A história fantasmagórica e as próprias ações do Rei em posto, sugerem o assassinato do pai pelo tio, um fratricídio, que Hamlet se empenha em vingar, com vastos prejuízos.

Uma história bem conhecida, onde encantam também as inquietações do protagonista, e seu lugar no mundo, num mundo. Uma tragédia moderna:

http://www.histoire-image.org/site/etude_comp/etude_comp_detail.php?i=1050

Mas e por falar em Eugène Delacroix (1798-1863), um dos artistas modernos de Baudelaire e “a fonte” segundo Cézanne, fico repetindo palavras em torno, por conta da fotografia. Desconhecido. Sensível. Linhas. Paisagem. Composição. Cor. Flou. Inacabado. Trabalho. Utopia.

Palavras, palavras, palavras…

morte do papagaio2

Asas dos papagaio morto na paisagem de Delacroix

Fiquei ainda parada num quadro do Delacroix que está exposto no Louvre* e que se chama Nature mort aux homards, (1826-1827) – Natureza morta com lagostas, onde encontrei um papagaio, morto.

* Site do Louvre: http://cartelfr.louvre.fr/cartelfr/visite?srv=car_not_frame&idNotice=8937